UA-89169382-1 Crônicas de Juvenal: No túnel do tempo da publicidade 16

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

No túnel do tempo da publicidade 16

Como diriam os Engenheiros do Hawai: "O Papa é pop. E o pop não poupa ninguém". Nem o próprio Papa, diga-se de passagem.

E para quem achava que ela tinha aposentado as luvas de boxe, ledo engano! Lá vem a Benetton de novo com mais uma campanha publicitária de arrepiar os cabelos das velhinhas católicas e dos barbudos sunitas seguidores do imã Ahmed Mohamed el Tayeb.

Quem conhece a Benetton há pelo menos 20 anos sabe que a preferência por controvérsias de grande envergadura é estratégia antiga: primeiro vem a veículação; depois a retirada de circulação com pedidos de desculpas; e no intervalo entre as duas, uma cascata volumosa de comentários na mídia impressa, eletrônica e digital em todos os continentes do planeta. Assim foi com esta última campanha: a Benetton veicula a campanha na manhã do dia 16; o Vaticano se pronuncia à tarde; a Benetton pede desculpas logo em seguida; o Vaticano promete ação judicial no dia seguinte, e por aí vai.

Bem, muito pouca gente sabe, mas as polêmicas da Benetton tiveram um papel bastante importante na regulamentação da publicidade. Uma alteração significativa no quadro jurídico antidiscriminatório no país aconteceu no intervalo entre duas grandes polêmicas suscitadas por peças publicitárias da Benetton. Ambas foram, por sinal, alvo de processos éticos instaurados pelo Conselho Nacional de Auto-regulamentação publicitária (CONAR).

A publicidade "Ama de Leite" (denominação amplamente utilizada na cobertura midiática da época) foi alvo do processo no. 076-90 no CONAR.

Ao que parece, a Benetton teve um papel preponderante na alteração trazida com a Lei 8081, que passou a coibir todo ato de "praticar, induzir ou incitar, pelos meios de comunicação social ou por publicação de qualquer natureza, a discriminação ou preconceito de raça, cor, religião" no Brasil. Coincidentemente ou não, a lei foi aprovada pouco tempo da decisão final do processo no. 076-90, arquivado por unanimidade em 09 de agosto de 1990.

Antes desta lei, um dos argumentos de defesa avançados pela agência de publicidade responsável pela veiculação das campanhas da Benetton no Brasil, a J.W. Thompson, era o de que a publicidade tinha sido criada fora do país e que ela era responsável tão somente pela sua veiculação no país, não lhe cabendo, portanto, nenhuma sanção penal. A partir da promulgação da Lei 8081 em 21 de setembro de 1990, anunciante, agência e meios de comunicação passam a ser igualmente responsabilizados pela criação e veiculação de qualquer campanha julgada discriminatória no território nacional.

Sem dúvida, campanhas publicitárias transnacionais como as da Benetton colocam problemas práticos de regulamentação para a publicidade. A empresa, que tem sua sede na Itália, contratara uma agência francesa, a Eldorado, para a criação de suas campanhas, e tinha como fotográfo a emblemática figura do também italiano Oliviero Toscani. A sustação das publicidades e punição de anunciantes como Benetton (e suas respectivas agências de publicidade) dependia - e continua dependendo - das restrições impostas pelo quadro jurídico de cada país. Vale registrar que as campanhas dos anos 1990 eram veículadas em mais de 50 países. Mas não se deve esquercer, contudo, que a contratação de advogados para a representação da denunciada diante dos tribunais pelo mundo afora deve ter lá o seu ônus financeiro.

A estratégia de tocar em tabus da Igreja Católica em suas publicidades também vem de longa data. A publicidade ao lado foi também alvo de um processo ético no CONAR (processo no. 177/91), cuja denúncia contou com a assinatura de mais de mil peticionários escandalizados, uma raridade nos processo daquele órgão nos início dos anos 1990, isto é, antes do advento da Internet (e da possibilidade de encaminhar uma denúncia via formulário online). Mas nem isto foi suficiente: as denúncias de publicidades da Benetton que vinham sendo encaminhadas ao CONAR continuavam, via de regra, sendo arquivadas por unanimidade pelos membros do Conselho de Ética.

Esta situação de impunidade só se alteraria no ano seguinte com a instauração de outro processo ético - o de no. 229-91. Além da especificação trazida pela Lei 8081, duas outras novidades contribuíram para alterar radicalmente a jurisprudência até então adotada pelo CONAR: a aprovação do Código Brasileiro dos Direitos dos Consumidores (CBDC) e alterações importantes no papel do Ministério Público na proteção de direitos difusos.

Mas não vou me alongar aqui nessa pendenga. Quem tiver interesse em saber mais sobre as reviravoltas ocorridas no julgamento dos processos éticos movidos contra a Benetton por discriminação racial no Brasil, deixo aqui um link que leva a um artigo meu publicado na Revista Líbero exatamente sobre este tema: http://www.casperlibero.edu.br/rep_arquivos/2010/12/10/1292000568.pdf.

Enfim, qualquer que tenha sido o impacto da campanha da Benetton nos demais países, uma coisa é certa até o momento: a publicidade do idílico beijo do Papa Bento XVI era a única, até a presente data, a ser retirada de veiculação. Resta saber o que as demais celebridades envolvidas - Angela Merkel, Nicholas Sarcozy, Barack Obama, etc, etc.- terão a dizer sobre essas lições imagéticas de "não-ódio".

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